Resumo
Inspirado na Reforma Psiquiátrica Italiana, o movimento antimanicomial brasileiro surgiu nos anos 1970 e fundamentou as políticas de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS). A Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) promoveu a desinstitucionalização e implementou serviços territorializados, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A Lei nº 10.216/2001 representou um marco na RPB ao redefinir o modelo de atenção à saúde mental, promovendo a transição do paradigma hospitalocêntrico para uma rede de cuidados de base territorial e comunitária, centrada no respeito aos direitos humanos e na ampliação do acesso aos serviços psicossociais. Todavia, no caso da população quilombola, persistem desigualdades no acesso à rede de atenção psicossocial. A interseção de marcadores sociais, como racismo, classe e precariedade socioambiental, limita o acesso dos quilombolas aos equipamentos e serviços públicos. Esta pesquisa, de natureza qualitativa e da qual resulta este artigo, realizou uma análise crítica da legislação que estrutura o cuidado em saúde mental, com foco na população quilombola. Para tanto, analisou como as leis que estruturam as políticas de saúde mental e de populações vulnerabilizadas vêm abordando, desde a Constituição, o acesso dos quilombolas às redes psicossociais do SUS. Buscou, ainda, identificar nos textos legais a presença ou a ausência da perspectiva interseccional, bem como diretrizes norteadoras para que gestores de saúde possam implementar ações efetivas e factíveis para superar esse desafio. Foram examinados sete documentos legais (leis e portarias) nos quais foi possível observar que apenas recentemente o acesso de quilombolas à saúde mental foi explicitado, contribuindo para a manutenção da iniquidade no acesso. A pesquisa destaca que a invisibilidade dessa população na política de saúde mental reflete desafios históricos e estruturais, ainda distante de uma efetiva superação.
Referências
1. Machado CV. A reforma psiquiátrica brasileira: caminhos e desafios. Saúde debate. 2020; 44(3):5-8.
2. Brasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União [internet]. 2001 [acesso em 2 fev 2025]; Seção 1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 30 abr 2024.
3. Batista EC, Rocha KB. Saúde mental em comunidades quilombolas do Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Interações (Campo Grande) [internet]. 2020 [acesso em 13 jun 2024];21(1):35–50. Disponível em: https://doi.org/10.20435/inter.v21i1.2149.
4. Ronald A, Newman JF. Societal and individual determinants of medical care utilization in the United States. Milbank Mem Fund Q Health Soc. 1973;51(1):95-124.
5. Assis MMA, Jesus WLA. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc Saúde colet [internet]. 2012 [acesso em 12 abr 2024];17(11):2865 –75. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100002.
6. Domingues PML, Nascimento ER, Oliveira JF, Barral FE, Rodrigues QP, Santos CCC, et al. Discriminação racial no cuidado em saúde reprodutiva na percepção de mulheres. Texto contexto enferm [internet]. 2013;22(2):285-92.
7. Brasil. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Brasília (DF); 2009 [acesso em 12 jul 2024]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.htlm.
8. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra. 2023 [acesso em 22 jul 2024];1(Número Especial). Disponível em: BE_saude_pop_negra_vol1_b.pdf.
9. Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ. Quem somos [internet]. [acesso em 13 jul 2024]. Disponível em: https://conaq.org.br/quem-somos.
10. Cidade e cultura. Quilombo de Ubatuba [internet]. [acesso em 11 ago 2024]. Disponível em: https://www.cidadeecultura.com/quilombo-de-ubatuba/.
11. Marques CE, Gomes L. A Constituição de 1988 e a ressignificação dos quilombos contemporâneos: limites e potencialidades. Rev Bras Ciênc Soc. 2013;28(81):137-555.
12. Brasil, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil [internet]. Brasília (DF): Senado Federal; 1988 [acesso em 19 dez 2024]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
13. Brasil. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Dispõe sobre a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 21 nov 2003 [acesso em 24 jun 2024]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm.
14. Brasil. Decreto nº 11.447, de 8 de março de 2023. Institui o Programa Aquilomba Brasil e o seu Comitê Gestor [internet]. Brasília: 2023 [acesso em 18 jul 2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11447.htm.
15. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas em 1.696 municípios [internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2022 [acesso em 15 nov 2024]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37464-brasil-tem-1-3-milhao-de-quilombolas-em-1-696-municipios.
16. Martins MHM, Ribeiro MAT. Repertórios linguísticos dos riscos industriais no Pontal da Barra, Maceió. Athenea Digital. Revista de Pensamiento y investigación social. 2016;16(1):139-58.
17. Aragaki SS, Piani PP, Spink MJ. Uso de repertórios linguísticos em pesquisas. In: Spink MJP, Brigagão JIM, Nascimento VLV, Cordeiro MP. A produção de informação na pesquisa social: compartilhando ferramentas. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais; 2014.
18. Spink MJ, Medrado B. Produção de sentido no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas. In: Spink MJP, organizadora. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 2004, p 41-61.
19. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União [internet]. Brasília, 20 set 1990 [acesso em 12 jan 2025]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm. Acesso em: 12 jan. 2025.
20. Brasil. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Diário Oficial da União [internet]. 2010 [acesso em 13 jul 2024]; Seção 1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm.
21. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [internet]. Brasília (DF); 2011 [acesso em 13 jul 2024]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html.
22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n.º 2.866, de 2 de dezembro de 2011 [internet]. Brasília (DF); 2011 [acesso em 13 jul 2024]. Disponível em:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html.
23. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)
[internet]. Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde. [acesso em 20 fev 2025]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov. br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html.
24. Conselho Nacional de Saúde - CNS. Sistema Único de Saúde. Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde – Intersetorial, 27 de junho a 1 de julho de 2010. Brasília: CNS/MS, 2010.
25. Aday LA, Andersen R. A framework for the study of access to medical care. Health Serv Res. 1974;9(3):208-20.
26. Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. New York: Oxford University Press; 2003.
27. Soares CB, Bonetti AL. Marcadores sociais da diferença na experiência escolar de jovens estudantes negras. Rev Ciênc
Soc [internet]. 2021;21(3):370–9. Doi: 10.15448/1984-7289.2021.3.40540

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2025 Alessandra Regina de Souza Santos, Cláudia Malinverni, Mario Henrique da Mata Martins