Meningite cerebrospinal e sulfamidação maciça, preventiva: ensinamentos sobre sua diagnose laboratorial adquiridos durante um surto epidêmico
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Como Citar

1.
Gomes T de S, Silva MB e, Ribas JC, Rugai E, Amorosino A, Cave JJD. Meningite cerebrospinal e sulfamidação maciça, preventiva: ensinamentos sobre sua diagnose laboratorial adquiridos durante um surto epidêmico. Rev Inst Adolfo Lutz [Internet]. 29º de janeiro de 1950 [citado 6º de maio de 2024];10(1-2):77-88. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/RIAL/article/view/33202

Resumo

Durante o surto epidêmico de meningite cerebrospinal verificado em alguns municípios da zona mogiana do Estado de S. Paulo, entre dezembro de 1947 a abril de 1948, foi-nos dado observar aspectos curiosos e para nós inéditos, sobre as modificações de ordem biomorfológica que pode apresentar a Neisseria meningitidis, quando em líquidos cefalorraquidianos provenientes de doentes preventivamente sulfamidados, e criando, destarte, os mais sérios embaraços ao laboratorista na sua missão de procurar estabelecer o diagnóstico etiológico do mal. Os primeiros casos de meningite cerebrospinal, surgidos em Casa-Branca, tiveram confirmação bacterioscópica relativamente fácil pelo pequeno laboratório que serve ao Centro de Saúde local. Como, porém, a moléstia apresentasse tendência a se alastrar epidemicamente pela cidade, com infiltração para os subúrbios e zona rural, tomaram as autoridades sanitárias providências preventivas enérgicas, iniciando rapidamente a sulfamidação da maior parte da população da cidade e arredores. A dosagem preventiva distribuída foi de 2 g de 4 em 4 dias, durante 45 dias, para indivíduos de 10 a 49 anos, excluídos os insuficientes hepáticos. Começaram, então, nesse passo, a surgir as primeiras dificuldades diagnósticas para o laboratório, obrigando a nossa ida imediata ao foco epidêmico, a fim de apreciar e resolver as dúvidas existentes, tanto mais que já se propalava até a possível existência de uma epidemia causada por vírus, talvez a cório-meningite linfocitária! Em verdade o que encontramos e prontamente resolvemos foi o que a seguir vai relatado:

Casos em sua maioria benignos, às vezes ambulatórios e mal esboçando sintomas de meningite (temperatura, náuseas, rigidez da nuca). Os líquidos cefalorraquidianos deles obtidos apresentavam quase que invariavelmente, uma leve turvação, nunca porem véu fibrinoso ou purulência. Ao exame sob coloração vital, com azul policrômico de Unna, verificou-se, desde logo, tratar-se de uma polinucleose neutrófila, Porém, ao exame bacterioscópico centrifugado, corados pelo Gram, estes polimorfonucleares apresentavam diferenças dos que são comumente encontrados: eram retraídos, com os núcleos mal diferenciados e dificilmente visíveis, de tal modo que, as vistas menos experimentadas, poderiam simular células linfocitárias. Entre os leucócitos e nas malhas de pequenos filamentos fibrinosos existentes, viam-se alguns corpúsculos Gram-negativos, ora aos pares, ora únicos e circulares, apresentando em seu redor uma auréola clara, corpúsculos estes representando, mais ou menos, a terça ou quarta parte do tamanho do meningococo comum. Alguns desses cocos apareciam também alongados. Nas pesquisas mais demoradas, entretanto, podia-se encontrar um ou outro par de cocos aproximados do tamanho normal. Nenhuma cultura positiva foi obtida, mesmo nos meios contendo ácido paraminobenzóico (caldo-soro glicosado, ágar-sangue de coelho e ágar-ovo de Price) e mantidos a 37oC., em atmosfera de dióxido de carbono. Os casos positivados em Casa-Branca, Tambaú, Santa-Rosa, Fazenda Amália (os quais atingiram mais ou menos a duas centenas) tiveram seus diagnósticos baseados no simples achado citobacterioscópico de elementos celulares e bacterianos, em sua maioria, atípicos. Verificou-se a cura, pode-se dizer, de todos, às primeiras doses intratecais de penicilina.

O líquor de um caso não sulfamidado, de São João da Boa Vista, veio, já ao fim da epidemia, ter ao Instituto, obtendo-se dele cultura que, bioquímica e sorologicamente, demonstrou tratar-se de Neisseria meningitidis, tipo III. Igual identificação de Neisseria meningitidis foi obtida pelo Laboratório Regional do Instituto, em Ribeirão Preto, de um líquido colhido em Casa-Branca, no começo da epidemia, e que para lá fora enviado. O moderno método profilático pelas sulfas apresenta, sem dúvida, não só a grande virtude de proteger os sãos, como também de eliminar muitos dos possíveis portadores, além de que assegura aos doentes que eventualmente forem aparecendo, uma evolução mais lenta e benigna da infecção, tomando-a assim mais prontamente redutível às primeiras injeções intratecais de penicilina. Em tal eventualidade, porém, deverá o bacteriologista ter sempre em mente os embaraços que poderá encontrar, quando da realização dos exames dos líquidos cefalorraquidianos necessários para o diagnóstico bacteriológico do mal, pois esses exames serão, em última instância, baseados tão somente numa apreciação citológica muitas vezes precária e no achado de bactérias com morfologia alterada e, via de regra, completamente atípica.
https://doi.org/10.53393/rial.1950.10.33202
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Referências

1. KUHNS, D.M. et al. - 1943 - Tbe prophylactic value of sulfadiazine in the controI of meningococcic meningitis. J. Arn. Med.A8,~. 123: 335-339.

2. PHAIR, J.J., E.B. SCHOENBACH e C.M.ROOT - 1944 - Meningococcal carrier studies. Am. J. Pub. Health 34: 148-154.

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Copyright (c) 1950 T. de Salles Gomes, M. Britto e Silva, J. C. Ribas, E. Rugai, A. Amorosino, J. J. Delle Cave

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