O liquido cefalorraquidiano na moléstia de Weil
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Como Citar

1.
Bittencourt JMT, Corrêa MO Álvares, Fujioka T, Tranchesi J, Bedrikow B. O liquido cefalorraquidiano na moléstia de Weil. Rev Inst Adolfo Lutz [Internet]. 31º de julho de 1952 [citado 2º de maio de 2024];12(1-2):145-62. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/RIAL/article/view/33225

Resumo

Os autores relatam os achados obtidos pelo exame do líquido cefalorraquidiano, em 20 casos de moléstia de Weil, observados no Pronto Socorro e nas enfermarias de clínica médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, chamando a atenção para a frequência das repercussões da moléstia de Weil no sistema nervoso e o valor do exame do liquor para evidencia-las. Nesses 20 doentes, foram praticados 27 exames liquóricos, sempre por punção suboccipital, em decúbito lateral, sendo as punções realizadas entre o 4.0 e o 37.0 dia de enfermidade. Os pacientes eram todos do sexo masculino, entre 15 e 45 anos, com os sinais clínicos seguintes: icterícia (20), febre e dores musculares (17), cefaleia (18), fenômenos hemorrágicos (14), vômitos (13), oligúria (11), anúria (4). Nenhum deles mostrava sinais clínicos de irritação meníngea, sendo que um deles apresentou convulsões de tipo comicial. Em todos estes casos, as provas serológicas mostraram tratar-se de infecção por Leptospira ictero-hemorragiae, exceto um, no qual foi positivada a infecção por Leptospira canicola, através da soro-aglutinação. O exame liquórico realizado consistiu em medida da pressão, verificação das propriedades físicas, índice ictérico, exame citológico qualitativo e quantitativo, dosagens das proteínas totais, dos cloretos, da glicose, da ureia e da bilirrubina, reações coloidais de benjoim e Takata-Ara, pesquisas de pigmentos biliares, reações de Wasserman, Steinfeld, Weinberg, Eagle e Meinicke, exame bacterioscópico, inoculação em cobaias e titulagem das aglutininas. Os autores não verificaram um único caso com hipertensão do liquido cefalorraquidiano. Em todos os casos havia xantocromia do liquor, cuja intensidade não estava em relação com o índice ictérico sanguíneo, pois a um sangue com índice ictérico igual a 104 correspondia "um liquor com índice ictérico igual a 0,5, enquanto a outro sangue com índice ictérico igual a 42 correspondia um liquor com índice ictérico igual a 2. Fato de grande importância é a constância do achado do liquor xantocrômico que, nos casos de moléstia de Weil, é intensa e precoce. Nas icterícias devidas a outras causas, encontra-se xantocromia no liquor somente depois de muito tempo de moléstia e quando o grau de icterícia é muito intenso. A tonalidade de xantocromia devida à moléstia de Weil aproxima-se do amarelo-canário, tendendo para o esverdeado, enquanto que a xantocromia encontrada nos liquores após hemorragias meníngeas tem tonalidade levemente avermelhada. Ao espectógrafo, observa-se, nestes últimos casos, absorção luminosa na raia de hemoglobina e substâncias oriundas de sua desintegração direta, enquanto que, na moléstia de Weil, a absorção luminosa se processa na raia de bilirrubina, Merecem atenção os casos anictéricos da moléstia de Weil, casos que os autores estrangeiros relatam atingir a 40% da totalidade e que, todavia, não foram ainda descritos entre nós; nesses casos, não há xantocromia liquórica, mas estão presentes as demais alterações do liquido cefalorraquidiano. O exame citológico dos liquores mostrou número normal de células em 11 pacientes e hipercitose nos outros 9. A hipercitose decresce à medida que a moléstia evolui e a percentagem de células polinucleadas aumenta em relação direta com o número total de células. As dosagens de cloretos e glicose não mostraram alterações; não podemos, pois, confirmar o fato relatado por outros autores, da presença constante de hiperglicorraquia nessa enfermidade. A taxa liquórica da ureia está em relação direta com a taxa sanguínea. As reações coloidais evidenciaram, em 3 casos, resultados do tipo meningítico; em 6 casos, resultados de tipo parenquimatoso; em um, de tipo misto; em dois, curva inespecífica nos tubos do meio. As reações coloidais de tipo parenquimatoso chamam a atenção para a possibilidade de lesões encefalíticas na moléstia de Weil, o que deve ser, contudo, confirmado pela anatomopatologia. Nos liquores examinados, não foram encontrados pigmentos biliares; as reações específicas para lues e para cisticercose foram sempre negativas, assim como o exame bacterioscópico. A inoculação em cobaias resultou sempre negativa e os títulos das aglutininas foram sempre muito baixos, mais baixos que os encontrados no soro sanguíneo. Os autores concluem:

1) Há completa independência entre os sinais clínicos meníngeos, que sempre faltaram, e as alterações liquóricas presentes em 100% dos casos; 2) A frequência das alterações liquóricas e a sua intensidade evidenciam a importância do exame do líquido cefalorraquidiano para o diagnóstico das alterações do sistema nervoso na moléstia de Weil; 3) O aparecimento de células polinucleadas, o seu número e percentagem estão em relação direta com o número total de células e não com a data da punção; 4) As alterações do liquor na moléstia de Weil sugerem a existência de lesões meníngeas e encefálicas que necessitam ser documentadas pela anatomopatologia; 5) No diagnóstico da moléstia de Weil - forma ictérica - tem grande importância o exame liquórico, que deve incluir, além das propriedades físicas (tonalidade e intensidade da xantocromia) e o índice ictérico, a medida da pressão, o exame citológico qualitativo e quantitativo, as dosagens de cloretos, glicose, ureia, bilirrubina, as reações de Nonne, benjoim e Takata-Ara, a pesquisa dos pigmentos biliares e da leptospira, a inoculação em cobaia e a titulagem das aglutininas.

https://doi.org/10.53393/rial.1952.12.33225
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Referências

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Copyright (c) 1952 J. M. Tauqes Bittencourt, Marcelo Oswaldo Álvares Corrêa, Toshyasu Fujioka, João Tranchesi, Bernardo Bedrikow

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