Resumo
O autor descreve pormenorizadamente o caso de uma mulher de 21 anos de idade que apresenta uma dermatose eritematoescamosa bastante difusa da pele glabra e, ao mesmo tempo, lesões do couro cabeludo, de todas as unhas das mãos e de quase todas as unhas dos pés. As primeiras alterações ao nível do couro cabeludo, da pele glabra e dos fâneros remontam há mais de 17 anos, tendo a moléstia, durante todo esse tempo, se alastrado de maneira lenta, mas segura. As lesões da pele glabra (figs. ns. 3, 4, 5 e 6) acham-se espalhadas por quase todo o corpo, com exceção de poucas zonas, como a da superfície anterior do tronco. De modo geral, têm o aspecto de pequenas placas arredondadas ou irregulares, algumas mesmo figuradas, desenhando estes segmentos de círculo que se entrelaçam e se confundem. São de tom róseo avermelhado, um pouco sobre-elevadas porque parcialmente recobertas de escamas amarelas esbranquiçadas pouco aderentes. No couro cabeludo (fig. n. 1) há em sua parte alta e central, uma larga área acentuadamente desnudada. Os poucos cabelos conservados têm o comprimento e aspecto normais e na maioria dispõem-se em pequenos feixes irregularmente distribuídos pela superfície deglabrada. Esta, que resulta de confluência de inúmeras pequenas cicatrizes deprimidas róseas ou brancas lustrosas, deixa perceber aqui e acolá pequenos pontos bastante pretos que nada mais são do que folículos em cujo centro há um fragmento de cabelo retorcido, entortilhado à maneira de um prego rebitado. As unhas alteradas (fig. n. 2) mostram modificações em seus 2/3 distais; são espessadas, opacas, brancas acinzentadas, levemente amareladas. Sua superfície externa é irregular, rugosa, deformada por numerosas saliências e sulcos, ou, então, deprimida, escavada, formando uma concavidade de fundo áspero. O exame microscópico das escamas das lesões da pele glabra e de fragmentos de unha mostrou a presença de filamentos micelianos de espessura não uniforme e septados em artículos curtos de forma quadrangular ou ovalar. Os fragmentos de cabelos intra-foliculares que se encastoavam nos óstios como pontos pretos são ricamente parasitados. A invasão deles é unicamente interna e realizada por numerosíssimos filamentos esporulados, com aspecto de rosário com artículos arredondados. Toda a espessura do fragmento do cabelo, no interior da cutícula, é ocupada por esse amontoado de elementos redondos. As culturas, nos meios de prova maltosado e glicosado, feitas com semeadura de partículas de cabelo e de escama, estas retiradas das mais diversas regiões, resultaram positivas, sendo sempre obtido um cogumelo que pelo seu inconfundível aspecto macroscópico e pelo estudo micológico, feito em culturas sobre lâmina, foi verificado ser o Trichophyton violaceum (fig. n.7). Cortes histológicos, obtidos por meio de biópsia das lesões do couro cabeludo, permitiram observar as alterações do tecido cutâneo na proximidade dos cabelos parasitados e verificar a posição muito particular destes no interior do folículo e que é próprio dos tricofitons enndotrices (figs. ns. 8, 9, 10, 11 e 12). Em longas considerações gerais, o autor relembra e demonstra, com estatísticas de outros e próprias, a importância que tem o Trichophyton violaceum como parasito das tinhas devido, sobretudo à sua vasta distribuição geográfica e, aqui entre nós, à sua extensa frequência; refere-se às suas lesões clínicas mais comuns, mas se detém particularmente no que é uma das características mais extraordinárias do T. violaceum, isto é, o notável polimorfismo das manifestações clínicas que ele pode determinar, razão porque vem a ocupar entre os cogumelos das tinhas, e especialmente entre os tricofitons, um lugar à parte. O autor frisa então as particularidades apresentadas pelo caso clínico que descreve e que fazem dele uma observação excepcional, semelhante às dos casos relatados por Mguebrow. Dessas particularidades destaca e comenta pormenorizadamente a que diz respeito à idade da paciente que, apesar de adulta, apresenta ainda lesões de tinha do couro cabeludo quando, de regra, essa região é poupada pelos tricofitons nessa idade; faz notar, também ao nível do couro cabeludo, a existência de numerosas cicatrizes por lesões que não são da ordem dos querions e que não costumam ser o "reliquat" das tonsurantes devidas a outras espécies micológicas; por último chama a atenção para o alastramento anormal a que atingiram as lesões da pele glabra, que no caso se distribuem a quase toda a superfície do tegumento cutâneo. O autor lembra que, aqui entre nós, invasões tão extensas de epidermomicose da pele glabra não são raras, mas são quase que sem exceção o resultado de uma infestação epidérmica pelo Epidermophyton rubrum. Este é o primeiro caso nosso em que se encontra o T. violaceurm. Conclui levantando a hipótese de que a infestação das unhas deve ter contribuído para a disseminação epidérmica das lesões.
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