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1.
Boulos M. Editorial. Bepa [Internet]. 2015 May 29 [cited 2024 Nov. 24];12(137):1-2. Available from: https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/38183

Abstract

“Basta acreditar que o sonho é o que nos faz vencer... Se é de barquinho, borboleta ou vitória régia, não importa o que Basta acreditar na história que você vai ter” (Valter Silva, Contador de histórias)

A saúde pública é um campo apaixonante, desafiador. Médicos descobrem em algum momento da vida o ideal de cuidar de populações inteiras ou de seguimentos de população entre os mais negligenciados, esquecidos. Esses são os sanitaristas e os tropicalistas. Longe dos consultórios ou mesmo de ambientes hospitalares, esses profissionais usam a epidemiologia, o meio ambiente, a história, a antropologia, como ferramentas para entender e intervir no processo saúde/doença em lugarejos, cidades, estados e países. São Paulo, com seu patrimônio acadêmico, é celeiro de médicos e pesquisadores especialistas em doenças tropicais. A Secretaria de Estado da Saúde coleciona notáveis, históricos, que já passaram por seus quadros. Alguns já partiram, como o sanitarista e ex-secretário Luiz Roberto Barradas Barata e o infectologista Luiz Jacintho da Silva (ambos mereceram editoriais em edições do Bepa). Recentemente, perdemos a jovem e brilhante médica infectologista e tropicalista, Melissa Siciliano Mascheretti. Cedo trocou o conforto do consultório pelos desafios apresentados pela população ribeirinha e indígena de Santarém, no Pará. Melissa fazia parte de um grupo de jovens médicos idealistas que, na década de 1990, se propuseram a fazer a diferença na vida de pessoas cuja vulnerabilidade social era traduzida nos males que estampavam no corpo, na forma da malária, pneumonia, diarreia, sarampo, desnutrição, entre outros. Do limão uma limonada, esse feito é prerrogativa dos sábios. Ao conhecimento acadêmico foram somadas as ricas experiências de trabalhar no limite da exaustão e na total falta de recursos tecnológicos. Salvar vidas era a meta, como fazêlo era a descoberta individual, a ciência pura, o desafio. Para quem persevera, o impossível torna-se possível. E Melissa sabia como alterar cenários pouco promissores. Em Santarém, após fazer a consulta de uma indiazinha, identificou a necessidade urgente de um exame para o diagnóstico de um processo infeccioso. Simples, mas urgente. Diante da impossibilidade de realizá-lo em um equipamento da saúde pública, sem cerimônias, bateu literalmente na porta de um laboratório particular, expôs sua necessidade e conseguiu a realização do exame prontamente, sem nenhum custo. Quem sabe faz a hora? Arrojo, “pé no barro” na opção pelo trabalho em campo, foram as marcas da passagem de Melissa pela Secretaria de Estado da Saúde à frente da Divisão de Zoonoses do Centro de Vigilância Epidemiológica (DVZoo/CVE), a partir de 2007. Com mala emergencial constantemente   pronta, Melissa foi in loco investigar a morte de macacos no interior paulista, sentinela de febre amarela, no ano de 2008. Episódios posteriores de febre amarela, aí em humanos, contaram com a intervenção competente da jovem médica, coordenando trabalhos juntamente com outros técnicos da DV Zoonoses e dos Grupos de Vigilância Epidemiológica Regionais (GVE). A febre maculosa, as leishmanioses tegumentar e visceral, entre outras doenças tropicais foram foco de trabalho de Melissa. Mas sua atuação no enfrentamento da dengue é lembrada constantemente por técnicos e gestores das diversas áreas da saúde, nas várias instâncias do SUS. No ano de 2010 o estado de São Paulo viveu um momento epidêmico quase tão agudo quanto este, de 2015. Incansável, mala sempre pronta, Melissa esteve nas regiões estratégicas em reuniões com técnicos e gestores municipais e, o mais importante, elaborou o Treinamento Rápido para a Dengue, que ficou conhecido como “Dengue Express”, para médicos e enfermeiros. Esse material, no formato impresso, chegou até os prontos atendimentos e prontos- socorros das unidades de saúde, mas ela também esteve frente a frente com os profissionais de saúde passando as informações básicas para um rápido diagnóstico e correta intervenção nos casos de dengue. Nesse ano, a dengue competia com a entrada da circulação do H1N1. Aproveitando o boom da divulgação da nova doença e de seu antiviral exclusivo, Melissa dizia aos colegas, com seu jeito doce mas pragmático: “Gente, o Tamiflu da dengue é a hidratação”, ressaltando a importância desse simples procedimento para evitar o agravamento dos casos que levam ao choque e ao óbito. Hoje a dengue conta com uma divisão específica no CVE. Muito do legado de Melissa orienta a jovem e competente equipe de profissionais que participam ativamente do combate à dengue neste atual momento epidêmico. Equipe que também protagoniza e soma novas experiências que serão úteis na história do enfrentamento desse agravo endêmico no estado de São Paulo e no país, com o qual conviveremos por longos anos. A vida de Melissa foi interrompida precocemente. O pesar é imenso. Os que se sentiram privados da sua convivência fraterna e amorosa sentem um grande vazio. A saúde pública ressente por não mais poder contar com seu brilhantismo e sagacidade na condução dos desafios impostos pelos microrganismos novos e antigos, pela fragilidade de um sistema de saúde justo e solidário, mas que ainda enfrenta paradoxos. Sua breve carreira lhe rendeu homenagens das diversas sociedades científicas e da classe médica. O Boletim Epidemiológico Paulista também registra sua homenagem e agradecimento, traduzidos nesse editorial e na republicação do artigo “Febre amarela silvestre: reemergência de transmissão no estado de São Paulo, Brasil, 2009”, publicado originalmente na Revista de Saúde Pública (vl.47 no.5). São Paulo e Santarém sentirão sua falta.

Marcos Boulos

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Copyright (c) 2015 Marcos Boulos

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