Abstract
Acredito que o verdadeiro conhecimento resulta da prática. É o conhecimento empírico, maior ou menor, de acordo com o tempo de vivência. Tal conhecimento pode ser generalizado quando experimentos dirigidos demonstram sua reprodutividade e universalidade, dizemos que esse é o conhecimento científico com base em evidências. Há, entretanto, um conhecimento consequência de uma longa prática, inúmeras observações e experiências que aprofundam o entendimento de um determinado fenômeno capaz de produzir análises amplas e teorias inovadoras. É o que a língua inglesa define como “feeling”, um privilégio dos sábios e dos gênios. Foi o que encontrei em Rosemberg. Quando me tornei seu amigo, em meados da década de 1980, a tuberculose já fazia parte do meu ser. “Régua e compasso” me deram Bruno Quilici e Manoel Conde, professores carinhosos e dedicados que me ensinaram o “bêa- bá” sobre a doença. A corrente de pensamento com Mozart Tavares de Lima Filho e Nelson Morrone, na Enfermaria de Doenças do Aparelho Respiratório do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Moratto de Oliveira, uma Academia fora da Universidade. A metodologia científica durante meu doutorado na EPM-UNIFESP, com Adauto Castelo e Manoel Lopes dos Santos. Antes do conhecimento pessoal já havia lido trabalhos de Rosemberg. Alguns encontrados na velha Biblioteca do Instituto Clemente Ferreira (ICF), como o escrito junto com Manoel Caetano Passos Filho e Jamil Aum “O Moderno Dispensário Anti-Tuberculoso”, de 1954. Dois artigos, publicados em 1983 pela Revista da AMB, sobre o Tratamento da Tuberculose, uma das mais completas revisões sobre o tema, leitura ainda atual que recomendo a todos que querem aprofundar seu saber nesse campo. Diretor do ICF, Rosemberg aproximou-se de Fausto Cestari e Jorge Afiune na década de 1980, encantado com a renovação de quadros na Instituição. O conheci melhor em eventos que participamos juntos relacionamento que se intensificou no Comitê Técnico-Assessor do Programa de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde, durante as gestões de Miguel Aiub Hijjar e depois na de Antônio Ruffino Netto. Aos poucos formamos uma sólida amizade. Descobrimos que além do entusiasmo da luta contra a tuberculose tínhamos identidade filosófica e ideológica. Usávamos a mesma ciência para ver o mundo e a história da humanidade, e a mesma ferramenta da metodologia dialética em como intervir na vida e interpretar os fenômenos que nela ocorrem. Como ele morava próximo ao Instituto Clemente Ferreira, nas tardes das sextas feiras nos encontrávamos num “chá tísico” debatendo questões sobre a tuberculose num nível acima da média e duas vezes o desvio padrão. A genética do bacilo, a dinâmica de suas populações quando parasita o organismo e a resposta deste frente a sua presença; as relações entre a hipersensibilidade, a imunidade inata inflamatória e a complexidade da imunidade mediada por células; a dicotomia da evolução da doença e suas particularidades regionais; esses eram, entre outros, assuntos de calorosas discussões. Tínhamos várias divergências, mas essas foram incapazes de nos separar na crença de que a unanimidade absoluta é cega e castradora... Ele tentava conter meus impulsos e o costume de polemizar, aconselhando a valorizar a paciência e a prudência no conviver com a grande frente antituberculosa e a possibilidade de influenciar sobre o movimento. Era complacente com meu tabagismo, mesmo sendo um ativo militante antitabagista. Algumas vezes compartilhávamos um churrasco tradicional que fazíamos aos domingos com minha família e jantares em cantinas de Higienópolis, após seu casamento com Ana Margarida. Lembro que em um desses encontros, Rosemberg lamentou de não ter me conhecido há mais tempo, o que respondi com pretensiosa irreverência de que preferia o modo e momento de como começamos nossa amizade, pois se nossa relação fosse mais antiga, eu seria mais um aluno e não um dos seus interlocutores privilegiados... Acompanhei seu sofrimento nos últimos dias, chorei sua morte longeva, mas precoce no nosso relacionamento. Não me esqueço de algumas recomendações que fez sobre a responsabilidade de persistir na luta contra a tuberculose. Assim, a tuberculose nos fez amigos e parceiros. Ainda que a amizade tivesse sido mais curta do que merecíamos, foi profunda, profícua e gratificante. Restam os manuscritos sobre o que discutíamos, a avaliação da sua aplicabilidade e a obrigação de sua divulgação...
Fernando Augusto Fiuza de Melo
Homenagem póstuma a José Rosemberg Um amigo e interlocutor
19 de setembro de 2009 - Ano do centenário de seu nascimento
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